domingo, 2 de maio de 2010

Tomando ácido diariamente!

O Informe de Brodie é aberto com um dos mais memoráveis relatos de Borges -A Intrusa. A história foi desgraçadamente vilipendiada num filme de Carlos Hugo Christensen que o Canal Brasil insiste em reprisar.

É um conto de cinco páginas, a história de dois irmãos: "Escrevo-a agora porque nela se cifra, se não me engano, um breve e trágico reflexo da índole dos antigos suburbanos das margens", narra Borges. Os irmãos protegem-se e à sua casa. Um deles leva para a casa protegida, um dia, uma mulher. Com tempo, dividem-na. Insinua-se o desentendimento. O título revela o desfecho.

Não é uma história de sexo ou de amor, mas da "afirmação de uma lealdade que não se detém ante nenhum preço" como diz Beatriz Sarlo, da Universidade de Buenos Aires, na introdução. Ou: "Um aprendizado realizado sobre a base da deslealdade àqueles valores que se consideravam constitutivos de um universo ideológico e moral."

Ainda avalia Beatriz Sarlo que Borges, naquele momento em que se aproximava do encerramento da obra, reiterava "sua moral narrativa sustentada na independência da ficção a respeito de seu espaço histórico". Nada é mais exemplar dessa independência do que a frase inicial do primeiro parágrafo de A Intrusa: "Dizem (o que é improvável)..." (aliás, adoro esse tipo de estilo na literatura de Borges... ô delícia das palavras.)

Existe, no entender de Sarlo e de outros estudiosos, desde o início, na obra de Borges, uma pergunta essencial sobre a possibilidade de escrever literatura na Argentina. "A primeira coisa que Borges faz é rearmar uma linha cultural para esse lugar excêntrico que é seu país", descreve a estudiosa. "Borges reinventa um passado e organiza uma tradição literária argentina em operações que são contemporâneas a sua leitura das literaturas estrangeiras."

E ainda, numa conclusão brilhante: "Da periferia (das literaturas estrangeiras), Borges consegue que sua literatura se relacione de maneira não dependente com a literatura ocidental. Faz da margem uma estética."

É assim, dessa "periferia", que Borges reescreve , à sua maneira, as Viagens de Gulliver, de Swift, no conto que dá nome ao livro - entretanto, já leram Pierre Mnard reescrevendo o Quixote? ou como, numa existência eterna, qualquer um, obrigatoriamente, reescreveria o Quixote, mas criticamente, no jogo de ambigüidades e enigmas, ironias e perspectivas instáveis como nunca realizado por qualquer outro autor.

Enfim... como já postei certa vez... Borges é um ácido.

eu adoro ler qqr coisa dele.

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